O que há em mim é sobretudo cansaço...


O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos

Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta...


Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?
Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as coisas,
Perante as coisas que simplesmente existem.
Que difícil ser próprio e não ser senão o visível!


Alberto Caeiro

Tentativas para um regresso à terra...


"O sol ensina o único caminho

a voz da memória irrompe lodosa

ainda não partimos e já tudo esquecemos

caminhamos envoltos num alvéolo de ouro fosforescente

os corpos diluem-se na delicada pele das pedras

falamos rios deste regresso e pelas margens ressoam

passos

os poços onde nos debruçamos aproximam-se

perigosamente

da ausência e da sede procuramos os rostos na água

conseguimos não esquecer a fome que nos isolou

de oásis em oásis hoje

é o sangue branco das cobras que perpetua

o lugar o peso de súbitas cassiopeias nos olhos

quando o veludo da noite vem roer a pouco e pouco

a planície

caminhamos ainda

sabemos que deixou de haver tempo para nos olharmos

a fuga só é possível dentro dos fragmentados corpos

e um dia......quem sabe?

chegaremos"


Al Berto

O retrato de um fugitivo...

"ele caminha pela solidão nocturna dos quartos de hotel
e de fotografia em fotografia chega exausto
ao minucioso poema a preto e branco
mas já não o surpreende a violenta visão do mundo
este lento destroço que um liquido sussurro de prata
revela a partir de iluminada fracção de segundo
e bebe
e ama
e foge de si mesmo
com a leica pronta a ferir como uma bala ecoando
no fundo da memória um néon uma pedra
uma arquitectura de luz e sombra ou um
deserto onde se debruça para retocar os dias com um
lápis
na certeza que sobrevirá a estes perfeitos acidentes
a estes restos de corpos a pouco e pouco turvos
pelo tempo pelo sono ou pela melancolia
mas regressa sempre à transumância das cidades
quando a alba do flash prende o furtivo gesto
sobre o papel fotográfico morre o misterioso fugitivo
depois
vem o medo
que se desprende do olhar imobilizado
e do rosto fotografado
nasce uma vida de infinito caos"

Al Berto

Surf code...


Merce Cunnigham...

(Também não fui eu que tirei...)









Coisas giras...






























































Fim do dia...






































A dança... Nacho Duato































(estas não fui eu que tirei!!)